Adoçante Zero é ligado a maior risco de Infarto e Derrame – Mito ou Verdade?

Adoçante Zero e Risco Cardiovascular

Recentemente foi publicado na Nature Medicine um estudo que, supostamente, atrelou o uso do adoçante eritritol a um risco aumentado de doença cardiovascular, infartos e acidentes vasculares cerebrais.

Assim que o vi, já imaginei a polêmica e a quantidade de perguntas e confusão que iria pipocar aqui e acolá, internet afora, já que muitos produtos alimentícios processados e adoçantes artificiais começaram a incluir eritritol entre seus ingredientes nos últimos anos. Mas antes de limpar sua despensa e geladeira, vamos primeiro examinar de onde vêm essas alegações – e por que elas não são tão alarmantes quanto podem parecer. Vamos entender com mais profundidade e precisão o que realmente o estudo conseguiu demonstrar.

No título de manchetes em veículos da mídia comum, encontramos frases como:

Adoçante zero é ligado a maior risco de infarto, aponta estudo” e..

Estudo sugere que adoçante zero pode aumentar risco de ataque cardíaco e derrame

E, em seus subtítulos, se descreve:

Procurado por ser pouco metabolizado pelo corpo, o eritritol pode aumentar a formação de coágulos, levando também a ocorrência de AVC, mostra estudo americano com 1,1 mil pessoas” e…

Vamos ver o que o estudo afirma:

Em uma análise com 1157 participantes, aqueles que apresentavam maiores concentrações de eritritol no sangue (Quarto quartil), tiveram duas a três vezes maior risco de sofrer um evento cardiovascular maior (como infarto ou AVC) comparado ao grupo de menor nível (Primeiro Quartil)“.

Vamos nos debruçar um pouco mais sobre estes dados e esta “Conclusão”:

Witkowski e demais investigadores do estudo identificaram pela primeira vez o eritritol como uma molécula de interesse conduzindo análises metabolômicas em amostras de plasma em jejum de 1.157 participantes (uma “coorte de descoberta”) para determinar quais compostos circulantes estavam associados a eventos cardiovasculares adversos importantes (MACE: uma somatória de morte, ataque cardíaco ou derrame) ao longo de um período de seguimento de 3 anos. Nesse primeiro estudo o eritritol emergiu como um dos principais elementos com associação a MACE, com uma taxa de risco de 3,22 (Intervalo de confiança de 95% CI: 1,91–5,41, com P<0,0001).

Então, os autores então validaram este resultado em duas outras coortes independentes dos Estados Unidos (com n de 2.149) e da Europa (com n de 833) conduzindo ensaios metabolômicos específicos de eritritol em amostras de plasma em jejum e analisando associações com MACE em 3 anos de acompanhamento. Mais uma vez, os resultados mostraram uma ligação entre os níveis de eritritol circulante e a incidência de desfecho combinado MACE. Comparando aqueles no quartil de eritritol mais alto (Q4) com aqueles no quartil mais baixo (Q1), os Riscos Relativos para MACE foram 1,80 vezes (95% CI: 1,18–2,77, P = 0,007) e 2,21 vezes (95% CI: 1,20–4,07, P = 0,010) para as coortes dos EUA e da Europa, respectivamente, após o ajuste para fatores de risco CV conhecidos, como idade, diabetes, parâmetros lipídicos no sangue e tabagismo atual. As diferenças de risco entre os quartis 1, 2 e 3 não foram significativas.

Witkowski e demais pesquisadores avaliaram então a possibilidade de que o eritritol pudesse contribuir para o risco de MACE ao aumentar a coagulação do sangue, aumentando assim o risco de oclusão vascular. Eles aplicaram várias concentrações de eritritol ou solução de controle ao plasma humano rico em plaquetas e observaram uma relação dose-dependente entre o tratamento com eritritol e a agregação plaquetária, um dos primeiros passos na formação de coágulos sanguíneos. Além disso, injetar camundongos com eritritol acelerou a taxa de formação de coágulos em relação às soluções de controle, embora seja importante notar que as concentrações séricas de eritritol neste experimento foram mais do que o dobro das concentrações mais altas observadas nas coortes de descoberta humana, nos EUA ou na Europa. Da mesma forma, os efeitos na agregação plaquetária no plasma rico em plaquetas foram significativos apenas em níveis de eritritol próximos e acima do limite superior das concentrações observadas em coortes humanas.

Caso encerrado então? Ainda não.

Esses resultados justificam uma correlação entre o eritritol circulante e o risco de MACE, embora apenas em níveis fisiológicos de eritritol especialmente altos, já que tanto as coortes humanas quanto os experimentos mecanísticos falharam em mostrar um efeito na maioria das faixas fisiológicas. Ainda assim, os autores também demonstram que todos correm o risco de níveis extraordinariamente altos de eritritol circulante se o adoçante for incluído na dieta. Os pesquisadores fizeram com que oito participantes saudáveis consumissem uma única bebida adoçada com eritritol e descobriram que os níveis circulantes aumentaram em até 1.000 vezes os valores basais em 30 minutos – bem acima dos intervalos em que os efeitos de coagulação estavam presentes – e não retornaram a níveis normais até mais de um dia depois.

Então, podemos concluir a partir desses dados que o consumo de eritritol aumenta o risco de coágulos sanguíneos e eventos CV, fim da história? Absolutamente não.

A dieta não é a única fonte de eritritol.

O problema de interpretar esses resultados como uma condenação do consumo de eritritol é que a dieta não é a única fonte de eritritol circulante. Esse composto também é produzido pelo nosso próprio organismo por meio de um processo conhecido como via das pentoses fosfato, uma das vias pelas quais metabolizamos a glicose. Então, como podemos saber se a ingestão de eritritol na dieta em particular está contribuindo para o risco de MACE?

Não podemos. Os investigadores não coletaram nenhum dado sobre a ingestão de eritritol de nenhuma de suas coortes humanas, então não temos como correlacionar o consumo com o risco de MACE porque não temos como saber quais participantes consumiam regularmente alimentos contendo eritritol. De fato, Witkowski e colaboradores observa que a grande maioria dos participantes do estudo foi incluída antes do eritritol se tornar um adoçante comum como aditivo alimentar. Isso, combinado com a descoberta dos autores de que os níveis de eritritol permanecem bem acima dos intervalos da coorte por pelo menos um dia após o consumo, sugere que nenhum dos pacientes da coorte estava consumindo eritritol em suas dietas e que os níveis medidos em amostras de plasma em jejum eram, em vez disso, o resultado de produção endógena. Em outras palavras, este estudo não fornece nenhuma evidência de que a associação entre o eritritol circulante e MACE tenha algo a ver com a ingestão de eritritol na dieta.

Em suma: A Causalidade não é clara.

Não sabemos sobre o eritritol dietético, mas podemos pelo menos concluir que o eritritol circulante – independentemente da fonte – é prejudicial? Mais uma vez, a resposta é um duro e direto “não”.

Como na maioria dos estudos observacionais, as investigações humanas de Witkowski et al. não demonstram causalidade. Os autores apresentam esses dados como evidência de que o eritritol aumenta o risco de MACE, mas o fato de nossos corpos produzirem eritritol como resultado de processos metabólicos introduz uma probabilidade muito alta de um “problema de terceira variável” – uma situação na qual duas variáveis não relacionadas parecem ser correlacionados porque ambos são influenciados por uma terceira variável desconhecida. A atividade da via da pentose fosfato – e, portanto, a produção de eritritol – aumenta como resultado do estresse oxidativo, inflamação, diabetes, obesidade e uma série de outros distúrbios sistêmicos e metabólicos que também afetam o risco cardiovascular. A própria aterosclerose provavelmente aumenta a produção de eritritol devido à natureza inflamatória dessa doença. Em outras palavras, o eritritol circulante é uma covariável de inúmeras outras variáveis com conexões bem estabelecidas com o risco CV e pode ser simplesmente uma leitura da saúde metabólica geral sem papel causal na doença.

Os autores tentaram estabelecer a causalidade por meio de seus experimentos mecanísticos em modelos de camundongos e usando plasma rico em plaquetas. Os camundongos, no entanto, são um modelo notoriamente ruim para doenças cardiovasculares humanas. Sua biologia lipídica tem diferenças importantes em relação à dos humanos e, ao contrário dos humanos, eles quase nunca desenvolvem doença arterial coronariana. Os experimentos in vitro costumam ser ainda menos confiáveis como modelo porque carecem de qualquer contexto de corpo inteiro. Além disso, o plasma rico em plaquetas não é representativo da concentração de plaquetas normalmente encontrada no sangue humano; portanto, os pesquisadores não apenas precisaram usar concentrações anormalmente altas de eritritol para ver um efeito na agregação plaquetária, mas também precisaram de concentrações anormalmente altas de plaquetas.

Não há necessidade de alarme.

Outro artigo falho, outra enxurrada de manchetes alarmantes, outra corrida da comunidade científica para esclarecer as coisas antes que o pânico se espalhe.

Witkowski e colaboradores observam corretamente que temos dados longitudinais limitados sobre os efeitos na saúde da maioria dos adoçantes artificiais, mas, infelizmente, seu estudo não oferece nada para corrigir esse problema. Na melhor das hipóteses, este trabalho mostra que o eritritol endógeno se correlaciona com – mas não necessariamente contribui para – o risco cardiovascular. Longe de condenar o eritritol como ingrediente de alimentos e bebidas, esses dados não fornecem nenhuma visão sobre os efeitos da ingestão de eritritol na dieta.

Para aqueles que ainda preferem ficar longe até termos mais dados sobre esse adoçante relativamente novo, há muitas alternativas disponíveis. Independentemente deste estudo, eu e a maioria dos meus pacientes geralmente consideramos o eritritol o menos atraente dos substitutos do açúcar, em grande parte por causa dos efeitos colaterais gastrointestinais não triviais que muitos experimentam após consumi-lo. Outras opções – incluindo alulose, xilitol e a fruta do monge (luo han guo) – parecem oferecer vantagens para a saúde, além de melhor sabor e “sensação na boca”. (Para os interessados, vou abordar os adoçantes artificiais de forma mais ampla em conteúdo futuro). Portanto, não tenho certeza se há muitos motivos para consumir eritritol, apesar do fato de que não acho que utilizá-lo em quantidades usuais contribua para o MACE.

A meu ver e de outros estudiosos que se debruçaram sobre o assunto, como o médico norte-americano Peter Attia é mais provável que você tenha um ataque cardíaco por causa do medo em torno deste estudo do que pelo próprio eritritol. Muito obrigado ao nobre colega e também ao nutricionista e expert em epidemiologia clínica Igor Eckert, que trouxe o tema à baila e em conjunto, contrapuseram com elegância as temerárias informações que estão sendo profusamente disseminadas. O contraponto é fundamental para evitar compreensão errônea dos dados científicos.

Resumo de nossa conversa hoje e O que é muito importante ressaltar:

O que foi avaliado no estudo foram os NÍVEIS CIRCULANTES de eritritol, a quantidade dele existente no sangue dos indivíduos, e não o consumo de adoçante.

É aí que reside o principal problema do estudo. Ele não avalia a quantidade ingerida pelos indivíduos, mas aquilo que eles tem presente em seu sangue. E qual o problema disso?

O problema é que o eritritol é produzido pelo nosso próprio organismo, pela via da pentose fosfato!

Agora, se todos seres humanos tivesse níveis estáveis e similares de eritritol, isso até não seria um problema. Mas não funciona assim. Em mamíferos – nos quais os seres humanos estão inseridos – a produção de eritritol AUMENTA em condições de INFLAMAÇÃO E/OU ESTRESSE OXIDATIVO.

O eritritol é, inclusive, um MARCADOR DE DISFUNÇÃO CARDIOMETABÓLICA.

Nesse estudo, que em sua conclusão tenta associar o CONSUMO de Eritritol com. Risco Cardiovascular, não diferenciaram os níveis de Eritritol Endógeno/Exógeno tampouco fizeram o BÁSICO: avaliar o consumo de adoçante dos participantes.

Assim, o que podemos DE FATO concluir após leitura cuidadosa do estudo:

  1. Que pessoas com Altos níveis de Eritritol já tem risco cardiovascular aumentados por outras razões, que em nada tem a ver com o consumo do adoçante (Obesidade, Tabagismo, Sedentarismo, Hipertensão, Diabetes, Dislipidemia)
  2. Quem opta por substituir açúcar por adoçante geralmente já tem razão para isso (Obesidade, Diabetes/Outros fatores de risco) e por isso, o risco aumentado de doença cardiovascular.

E estas informações estão disponíveis do estudo, apesar de um pouco escondidas nas tabelas suplementares, para quem quiser ver e entender, depois de uma boa escarafunchada.

O grupo do Quarto Quartil é mais velho (70 versus 54 anos!) e com maior prevalência de doenças Cardiometabólicas, como Diabete melito (36 versus 12 por cento quando comparado com o Primeiro Quartil).

Em suma: o estudo não presta para comprovar risco cardiovascular do uso de adoçantes, como foi interpretado. É um estudo observacional que não mediu o consumo de adoçantes e com resultados profundamente comprometidos pela metodologia aplicada.

Apesar de que existe uma recente busca de criminalizar o uso de adoçantes sintéticos, já que vários estudos os associam a malefícios em ratos (ciclamato, acessulfame, aspartame e, recentemente sucralose), ainda não existe prova definitiva disso em humanos, principalmente para adoçantes mais “naturais” entre aspas como estévia, xilitol, eritritol e taumatina.

Assim como o sorbitol e o xilitol, o eritritol é um álcool de açúcar, um carboidrato encontrado naturalmente em muitas frutas e vegetais – e também no corpo humano. Tem cerca de 70% da doçura do açúcar e é considerado de zero caloria. Não tem sabor persistente, não aumenta a glicemia no sangue e também pode ser levado ao forno. Parece açúcar e tem gosto de açúcar.

O que sabemos?

O que sabemos é que em algum grau alguns dos adoçantes adicionados podem promover uma disrupção da microbiota intestinal, com consequências ainda não devidamente mapeadas, podem causar alguma “confusão” na leitura hipotalâmica do componente “doce” do alimento, que acaba vindo sem influxo calórico potencialmente promovendo readaptações ainda não bem compreendidas da ingesta alimentar em quem consome grandes quantidades de alimentos adoçados artificialmente com baixo teor calórico (principalmente líquidos) e no resto, são especulações.

Sabemos também que os alimentos adoçados com sacarose e outras formas de açúcar que elevam níveis glicêmicos, como a própria frutose derivada da ingesta de frutas pode ser também potencialmente danosa, promovendo picos insulínicos que, em pessoas predispostas e sem um estilo de vida que comporte a ingesta destes carboidratos, pode levar ao surgimento de diabetes, obesidade e hipertrigliceridemia, entre outras disfunções.

Por ora, se puder escolher e quiser incluir um punch mais doce em sua alimentação escolha entre alulose, xilitol, fruta do monge e stevia, todos em quantidades moderadas.

Assim, resta que continuemos debruçados sobre esta questão buscando sempre o equilíbrio entre conhecimento, sabedoria e bom senso, utilizando as melhores informações que temos disponíveis a qualquer tempo, cientes de que não existe uma resposta plenamente generalizável e que a escolha ideal entre açúcar e adoçante precisa ser pesada de acordo com variáveis individuais incluindo o estilo de vida e a predisposição genética de qualquer pessoa.

Assim, enquanto segue o debate e a revisão deste estudo por outros melhor desenhados para efetivamente resolver a questão são realizados, use sua sabedoria e alimente-se de forma moderada, com boa ingesta de fibras, tantos alimentos “de verdade” e pouco processados quanto possível, limitando excessos de qualquer tipo – quer sejam proteínas, gorduras ou carboidratos, exercite-se diariamente ou tanto quanto possível, busque dormir entre 7 a 9 horas por dia e mantenha tanto quanto possível relacionamentos saudáveis com seus familiares, amigos e colegas de trabalho.

Ah! E mantenha-se sempre alerta, não comprando a primeira informação que lhe apresentarem sem um questionamento saudável sobre as fontes e veracidade do que está te sendo apresentado.

E seguimos, rumo a uma Vida e um Mundo #CadaVezMelhor.

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Principais Referências:

1. Dr. Peter Attia – More Hype Than Substance – Erythritol and Cardiovascular Risk

2. Igor Eckert – O problema mora nos detalhes

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