O que é e como abordar e tratar a Síndrome de Morris ou Síndrome de Insensibilidade aos Andrógenos? Caso Imane Khelif nas Olimpíadas de Paris

Síndrome de Morris - Imane Khelif

Recentemente, a boxeadora argelina Imane Khelif foi exposta e acusada de ser um homem lutando em uma categoria feminina no boxe durante as Olimpíadas de Paris de 2024. Imane é portadora da configuração cromossômica 46 XY, característica do sexo masculino. Mas isso somente a caracteriza como um homem? Vamos entender melhor o caso, utilizando a Endocrinologia & Metabologia, a Genética e a Ciência Médica como nossas ferramentas de compreensão da realidade.

O que é Síndrome de Morris?

A Síndrome de Morris, também conhecida como síndrome de insensibilidade aos andrógenos, é uma condição intersexo que afeta o desenvolvimento sexual tanto antes do nascimento quanto durante a puberdade. Esta condição se caracteriza pela incapacidade parcial ou total das células de responder aos andrógenos, como a testosterona.

Indivíduos com esta condição possuem um genótipo masculino, ou seja, têm cromossomos XY. No entanto, devido à falta de resposta aos hormônios andrógenos, seus corpos podem desenvolver características sexuais femininas ou uma combinação de características masculinas e femininas.

Síndrome de Morris - Imane Khelif
Criado artificialmente com DALL-E (imagem meramente ilustrativa, desconsiderar erros tipográficos)

As Causas da Síndrome de Morris

A Síndrome de Morris é uma condição genética ligada ao cromossomo X. Indivíduos com cariótipo 46,XY experimentam uma dificuldade total ou parcial de virilização intrauterina devido a uma disfunção nos receptores de andrógenos. Essa insensibilidade impede a masculinização adequada dos genitais durante o desenvolvimento fetal e a puberdade, enquanto não afeta significativamente os órgãos genitais femininos.

O Substrato Fisiopatológico

O desenvolvimento sexual masculino normal segue uma sequência de estágios distintos:

  1. Estabelecimento do sexo cromossômico masculino na fertilização.
  2. Ativação de genes que induzem a diferenciação da gônada primitiva em testículo.
  3. Diferenciação da genitália interna e externa mediada por hormônios testiculares, culminando com a maturação sexual na puberdade e subsequente fertilidade.

Até a sexta semana de gestação, todos os embriões possuem gônadas primordiais bipotenciais e genitália externa indiferenciada. A diferenciação dos testículos começa na sexta ou sétima semana de gestação, enquanto a diferenciação da genitália externa masculina ocorre entre a nona e a décima terceira semanas, sob a influência da testosterona e di-hidrotestosterona.

Na ausência de níveis adequados desses hormônios, a masculinização da genitália externa falha, resultando em um fenótipo feminino ou em graus variáveis de genitália ambígua.

Características Clínicas

A insensibilidade das células aos andrógenos impede o desenvolvimento adequado do pênis no feto e das características sexuais secundárias masculinas na puberdade, sem prejudicar o desenvolvimento das características sexuais femininas. A Síndrome de Morris pode se manifestar de três formas:

  1. Insensibilidade androgênica completa: Genitália externa inteiramente feminina (clitóris, grandes lábios, vagina, etc.).
  2. Insensibilidade androgênica leve: Genitália externa tipicamente masculina.
  3. Insensibilidade androgênica parcial: Genitália externa parcialmente masculinizada, aparecendo como uma mistura de características masculinas e femininas.

Na forma completa, indivíduos possuem características sexuais externas femininas, mas não têm útero e, portanto, não menstruam e não podem conceber. Geralmente são criados como mulheres e possuem identidade de gênero feminina. Internamente, possuem testículos que não descem completamente.

Diagnóstico

O diagnóstico envolve um exame físico detalhado. A forma completa raramente é descoberta na infância, sendo geralmente diagnosticada quando a menstruação não ocorre ou há dificuldades para engravidar. Indivíduos com insensibilidade parcial podem ter menor masculinização dos genitais e características sexuais secundárias, além de infertilidade.

Tratamento

O manejo da Síndrome de Morris é focado no tratamento sintomático. As áreas de intervenção incluem:

  • Atribuição de sexo
  • Genitoplastia
  • Gonadectomia para reduzir o risco de tumor
  • Terapia de reposição hormonal
  • Aconselhamento genético e psicológico

Atualmente, não há métodos para corrigir a disfunção dos receptores de andrógenos causados pelas mutações genéticas.

Importante ressaltar que existem outras possibilidades diagnósticas que expliquem o caso da atleta argelina Imane Khelif e de casos similares, entre eles a Síndrome de Imperato-McGinley (Deficiência da 5-alfa-redutase tipo 2). Vamos conhecer um pouco sobre ela abaixo:

Deficiência de 5α-redutase tipo 2

A Deficiência de 5α-redutase tipo 2 é uma condição genética que afeta o desenvolvimento sexual masculino, tanto antes do nascimento quanto durante a puberdade. Esta condição é causada pela incapacidade de converter a testosterona em di-hidrotestosterona (DHT), um hormônio crucial para a masculinização dos genitais externos.

Síndrome de Imperator-McGinley
Criado artificialmente com DALL-E (imagem meramente ilustrativa, desconsiderar erros tipográficos)

Causas da Deficiência de 5α-redutase tipo 2 (Síndrome de Imperato-McGinley)

A deficiência é resultado de mutações no gene SRD5A2, que codifica a enzima 5α-redutase tipo 2. Essa enzima é responsável pela conversão da testosterona em DHT. A falta dessa conversão leva a um desenvolvimento incompleto dos genitais masculinos. Indivíduos com esta condição têm um cariótipo 46,XY, ou seja, são geneticamente masculinos.

Substrato Fisiopatológico

O desenvolvimento sexual masculino normal envolve:

  1. Estabelecimento do sexo cromossômico masculino na fertilização.
  2. Ativação de genes que induzem a diferenciação da gônada primitiva em testículo.
  3. Conversão da testosterona em di-hidrotestosterona (DHT) pela enzima 5α-redutase tipo 2.

Até a sexta semana de gestação, os embriões possuem gônadas primordiais bipotenciais e genitália externa indiferenciada. A diferenciação dos testículos ocorre na sexta ou sétima semana, enquanto a masculinização da genitália externa começa entre a nona e décima terceira semanas de gestação. Sem níveis adequados de DHT, a masculinização da genitália externa é incompleta, resultando em um fenótipo que pode variar de feminino a ambíguo.

Características Clínicas

Indivíduos com deficiência de 5α-redutase tipo 2 apresentam uma ampla gama de características clínicas, dependendo do grau de insensibilidade ao DHT. As manifestações incluem:

  1. Genitália ambígua: Genitália externa que não é claramente masculina ou feminina ao nascimento.
  2. Genitália predominantemente feminina: Indivíduos podem ser criados como meninas devido à aparência externa.
  3. Desenvolvimento na puberdade: Com o aumento da produção de testosterona na puberdade, pode ocorrer virilização, como aumento do clitóris (clitoromegalia) ou desenvolvimento de características sexuais secundárias masculinas, como aumento da musculatura e voz mais grave.

Diagnóstico

O diagnóstico é feito com base em exame físico, histórico familiar e testes laboratoriais, incluindo a dosagem de hormônios sexuais e análise genética para identificar mutações no gene SRD5A2.

Tratamento

O manejo da Deficiência de 5α-redutase tipo 2 é focado no tratamento sintomático e inclui:

  • Atribuição de sexo e criação do indivíduo de acordo com o fenótipo prevalente.
  • Cirurgia reconstrutiva para correção da genitália, se necessário.
  • Terapia de reposição hormonal na puberdade para induzir características sexuais secundárias desejadas.
  • Aconselhamento genético e psicológico para ajudar o indivíduo e a família a lidar com a condição.

Espero que este artigo tenha ajudado a jogar alguma luz em casos semelhantes. Sobre a validade ou não de permitir pessoas com Síndrome de Morris de lutarem na categoria feminina, o debate deve ser feito em conjunto com o Comitê Olímpico Internacional e deveria estar embasado em ciência e no potencial, individualmente avaliado por parâmetros claros, objetivos e previamente definidos, sobre os limites nos quais a testosterona em níveis elevados cronicamente (pela condição subjacente) pode ou não trazer vantagens para cada atleta, principalmente nos casos de Insensibilidade androgênica leve.

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